
“A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos.”
– Cícero
Andava sem esquecer de onde veio.
Saiu de seu passado sem que este saísse do seu peito. Cresceu trocando de pele, de amores, de dores, trocando a fina casca infantil por uma grossa adulta, e, embora tenha trocado de lugares, ainda assim carregava consigo a gênese de sua história. Trocou. Trocou acreditando que o novo apagava o velho, e que suas conquistas extinguiriam a marca dos seus fracassos.
Pisava em novas terras com a sensação de repousar no passado. E em momentos tempestuosos desejava retroceder para os sorrisos-de-seis-anos e das árvores que lhe pareciam tocar os céus. Tempos gloriosos de sua infância, em que a única preocupação era escovar os dentes antes de dormir.
Trocou.
Trocou as árvores gigantes por prédios cuja burocracia é que parece agora tocar os céus. E se antes preocupava-se em escovar seus dentes, hoje empenha-se em ser aquilo que desejam que seja, abafando seus próprios desejos em maletas pretas e mochilas com maquiagem-adulta.
Mas embora se esbarre pelos infortúnios da vida adulta, preserva em si a crença de que é preciso caminhar. Enfrentar as tempestades em seu barquinho de papel. É preciso continuar a caminhada, com as solas do pé calejadas dentro de suas sapatilhas para ballet. E por mais doloroso que seja trocar de peles, de amores, de dores, é preciso traçar novos enredos para ter o que contar, não para os seus netos, mas para si mesmo.
Porque avançar também é se despedir.